A destituição do poder familiar é uma medida excepcional, que só deve ser tomada quando ficar provado que os pais são totalmente incapazes de zelar pelo interesse dos filhos, e que, ao mesmo tempo, seja impossível entregar a criança para ser criada por parentes próximos.
Com este entendimento, o juiz Ricardo Truite Alves, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Limeira, reconheceu filiação socioafetiva a um pai adotivo que estava respondendo por falsidade ideológica por registrar uma filha que não era sua, em situação de adoção informal conhecida como “adoção à brasileira”.
Álbum de família
Em 2018, o réu teve uma relação fora do casamento e três meses depois foi procurado pela a ex-amante, que afirmou estar grávida dele.
Diante da notícia, o homem contou a verdade para sua esposa e se comprometeu a cuidar do bebê que acreditava ser seu. Ele acompanhou toda a gestação da ex-amante e participou dos exames pré-natais. A gestante, no entanto, agia com desinteresse e distanciamento, manifestando desejo de entregar a criança para adoção.
Após o parto, a mãe rejeitou a criança. Ficou combinado, então, que a bebê ficaria aos cuidados do suposto pai e de sua esposa, que a essa altura já o havia perdoado.
Mesmo não tendo certeza da paternidade, o homem registrou a bebê em seu nome, incluiu-a em seu plano de saúde, custeou todos os gastos do parto e internação e passou a criar a menina junto com a esposa.
A mãe da bebê, por sua vez, mentiu para sua família e disse que a criança tinha nascido morta.
Meses depois, no entanto, a avó paterna da criança, mãe do pai biológico, contestou a história e denunciou ao Conselho Tutelar. O Ministério Público abriu um processo criminal, no qual o pai adotivo virou réu por falsidade ideológica. A promotoria pediu o acolhimento institucional da criança.
Foi feito exame de DNA e constatado que a menina não era filha biológica do réu. No entanto, ele pediu para continuar com a criança alegando vínculo socioafetivo. Os pais biológicos não manifestaram interesse em ficar com a menina.
Após anos de disputa entre a defesa do pai adotivo e a promotoria, a ação foi julgada improcedente.
“A perícia técnica constatou que os laços socioafetivos estavam consolidados e que não haveria porque fazer o acolhimento institucional da criança”, afirmou a defesa do pai adotivo.
“Reconheceu-se que apesar de ser uma paternidade forjada, ela deveria ser mantida”, afirmou Pedroso.
Muito bem cuidada
O juiz Ricardo Truite Alves, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Limeira (SP), afirmou na decisão que “ao ser entrevistada pelo Setor Técnico, a criança demonstrou estar muito bem cuidada, tendo seus interesses garantidos pelo núcleo familiar, havendo inquestionável vinculação socioafetiva”.
“Foi apresentada exibindo asseio e denotando boa saúde, trajava o uniforme escolar no momento da entrevista. Interagiu de forma positiva com o requerido, explorando o ambiente de avaliação e usufruindo dos brinquedos disponíveis. Demonstrou se tratar de uma criança alegre e bem cuidada. Requisitou a atenção do requerido em diversos momentos, o qual se colocava pronto e disponível, sendo possível notar relação paterno-filial bem estabelecida”, afirmou o juiz.
“Embora não seja o pai biológico, é inquestionável que o distanciamento da criança do núcleo familiar no qual está inserida não corresponde ao seu melhor interesse”, concluiu o magistrado.
A perícia técnica afirmou que apesar de “extenso histórico de que a criança tenha tido sua situação civil e de filiação considerada irregular com o passar dos anos, foi possível notar que a paternidade socioafetiva está consolidada”.
Fonte: Conjur