A reclamante exercia o cargo de Técnico Bancário na Caixa Econômica Federal (CEF) e estava grávida. Sua filha nasceu prematura, em 09/07/2016, após um período de 25 semanas e 4 dias de gestação. A partir do nascimento da criança, a bancária passou a fruir da licença maternidade de seis meses, mas, por pesar apenas 550g, o bebê foi internado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital Mater Dei em Belo Horizonte/MG, lá permanecendo, por problemas respiratórios, sem previsão de alta hospitalar. Diante disso, alegando que a presença da mãe junto à criança é indispensável no período da internação e, também, depois da alta, a reclamante procurou a JT, requerendo que, em sede de tutela antecipada, a empregadora fosse compelida a prorrogar a sua licença maternidade por mais seis meses após a alta da filha da UTI, tudo para que possa cuidar da filha. Essa a situação com que se deparou o juiz Bruno Alves Rodrigues, na 2ª Vara do Trabalho de Divinópolis. E, ao analisar o caso, o magistrado deu razão à bancária e acolheu seus pedidos.
Versão da empresa – A CEF sustentou que a pretensão da empregada não tem amparo legal, já que a Lei estipula prazo de 120 dias para a licença maternidade, prorrogada por mais dois meses (nos termos da Lei 11.770/08), sendo o período remunerado pelo Órgão Previdenciário, e, como a licença da reclamante já atingia oito meses, ela não comportaria mais qualquer ampliação. Mas o magistrado entendeu de forma diferente. Para ele, os princípios e normas constitucionais asseguram o direito pretendido pela reclamante.
Provas e omissão da CLT – O julgador notou a existência de um atestado do médico pediatra da recém-nascida, contendo a descrição das patologias sofridas pela criança desde o nascimento e informando que, até aquele momento, ela se encontrava num “quadro de “Displasia Broncopulmonar Grave”, sem prognóstico de alta hospitalar”.
Segundo o juiz, os regulamentos internos e instrumentos coletivos da CEF são omissos e a própria CLT é falha quanto à possibilidade de licença ou abono de faltas de empregado que tenha que levar seu filho ao médico ou acompanhá-lo no hospital. O texto celetista prevê, em seu artigo 473, apenas um dia por ano para os pais acompanharem o filho de até seis anos ao médico. Entretanto, conforme ressaltou o magistrado, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – que, em seu art. 2º, considera criança a pessoa até 12 anos de idade e adolescente de 12 a 18 anos de idade, dispõe que é dever do tutor, pai, mãe ou responsável dar assistência aos filhos, determinando, ainda, que os estabelecimentos de atendimento à saúde devem proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente (arts. 4ª e 12 da Lei 8.069/90). Nesse contexto, para o juiz, surge a seguinte pergunta: Como fica a situação do empregado ou empregada se não tiver quem leve o filho ao médico ou quem o acompanhe em uma eventual internação? É que, na falta de norma coletiva sobre o assunto, não existe lei que obrigue o empregador a conceder licença ou remunerar a ausência, por mais de um dia ao ano, do empregado que precisa acompanhar filho menor doente ao médico ou em internação hospitalar, exatamente como no caso da reclamante, explicou o magistrado.
Constituição assegura o direito – Entretanto, apesar da falha legal, o julgador ponderou que as normas e os princípios constitucionais dão amparo à pretensão da empregada. Ele ressaltou que a CR/88 afirma ser atribuição do Estado Democrático garantir, entre outros valores, a segurança o bem-estar, o desenvolvimento e a igualdade na realização de uma sociedade fraterna. E, no artigo 1º da CF/88, dentre os princípios fundamentais da República, está a dignidade da pessoa humana, enquanto o artigo 201 elenca a proteção à maternidade como um dos focos da atividade da previdência social.
Para fundamentar sua decisão, o magistrado citou, ainda, outras disposições da Constituição Federal que protegem a maternidade, a família, a infância e a saúde da criança, como os artigos 6º, 196, 226 e 227. De acordo com o magistrado, esses princípios constitucionais, sob a atual perspectiva democrática de Estado, são de observância e aplicação imediata e, por serem informadores de todo o ordenamento jurídico, devem ser utilizados como parâmetros de elaboração e de controle dos atos administrativos. “Isso independentemente de garantia expressa na Lei”, registrou.
Proteção à maternidade e à infância – Segundo frisou o julgador, a licença-maternidade é garantida às servidoras públicas federais por 180 dias, nos termos do art. 207 da lei 8.112/90, art. 2º da lei 11.770/08 e art. 2º do decreto 6.690/08. Ele explicou que a extensão da licença-maternidade de quatro para seis meses, obrigatória no serviço público federal, foi fruto de projeto da Sociedade Brasileira de Pediatria e está vigente há mais de oito anos, sendo bastante elogiada pela sociedade civil e pela comunidade médica, pois viabiliza o aleitamento materno exclusivo até essa idade e fortalece o vínculo afetivo entre a mulher e seu bebê.
O juiz ponderou que, o parto prematuro, que segundo critérios da Organização Mundial de Saúde é aquele que ocorre entre a 20ª e 37ª semana de gestação (como no caso da reclamante, em que o parto se deu após 25 semanas e 4 dias de gestação), postergou o início da relação afetiva entre a bancária e seu bebê, já que, por complicações médicas, foi necessária a internação da recém-nascida em Unidade de Terapia Intensiva neonatal (UTI). Além disso, ele ressaltou ser comum que bebês prematuros passem meses internados, como ocorreu com a filha da reclamante, sendo um período extremamente sofrido para os pais.
Proposta de emenda constitucional – Para reforçar mais ainda seu entendimento, o julgador frisou que, apesar de não haver norma legal expressa que permita à reclamante estender sua licença-maternidade pelo período da internação, a sociedade já sinaliza que essa situação não pode permanecer à margem do ordenamento jurídico, tanto que já está em estágio final de tramitação a Proposta de Emenda à Constituição nº 99/2015, que visa a alteração do inciso XVIII do art. 7º da CF/88, com a seguinte redação:
“Art. 7º –
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte dias, estendendo-se a licença-maternidade, em caso de nascimento prematuro, à quantidade de dias de internação do recém nascido…” (NR)
Esse texto, destacou o magistrado, foi aprovado à unanimidade no Senado Federal no dia 09 de dezembro de 2015 e enviado à Câmara dos Deputados no dia 15 de dezembro de 2015. Contudo, segundo o julgador, apesar do otimismo e da convicção da sociedade de que as Casas Legislativas aprovarão a PEC nº 99/2015, permanece no limbo o status jurídico das mães que tiveram parto prematuro antes de sua potencial promulgação, exatamente como no caso.
“O escopo da licença maternidade é garantir um período exclusivo de contato do filho com a mãe. Infelizmente, por motivos de força maior, o parto prematuro priva a mãe e o recém nascido desse contato, pois o bebê finalizará sua completa formação fisiológica internado, com a ajuda de aparelhos médicos. Por essa razão, o suporte fático da licença maternidade somente ocorre e se materializa na data em que o bebê recebe alta e pode, finalmente, estabelecer o vínculo com sua mãe. Assim, ainda que a que a Lei nº 11.770/2008, que trata de prorrogação da licença-maternidade, não contemple dilatação no caso de parto prematuro, essa regra deve ser interpretada à luz dos princípios constitucionais citados, os quais devem ser implementados na maior medida possível”, registrou o julgador, na sentença.
No caso, a filha da reclamante permaneceu por longo período em unidade de terapia intensiva, o que pôde ser notado pelo juiz ao analisar um laudo que relata o quadro de stress agudo e o extremo abalo psicológico em que a mãe trabalhadora se encontrava na época. O entendimento do julgador se reforçou ainda mais, ao verificar a existência de parecer da médica pediatra neonatal, registrando que a mãe manteve-se presente durante toda internação, fazendo retirada de leite materno por seis vezes ao dia para sua filha (que ainda se alimentava por sonda gástrica), porém, mesmo assim, seu vínculo com a criança ficou prejudicado devido à restrição quanto aos horários de visita da CTI. Nesse parecer, a médica recomendou que “é imprescindível o acompanhamento pelo menos 6 meses após à alta, para que a mãe possa estabelecer vínculo materno com o bebê, o que não é possível no CTI, para amamentação e cuidados contínuos com a criança.”
Conclusão – Por todas essas razões, o magistrado reconheceu que a empregada tem direito não à prorrogação, mas sim à postergação de sua licença de seis meses, para após a alta da filha, com o início no dia imediatamente subsequente à liberação da recém-nascida pelo hospital. Ele ainda assegurou à mãe trabalhadora todos os seus vencimentos durante esse período. Isso independentemente da promulgação da PEC 99/15 ou de qualquer outro projeto legislativo que garanta explicitamente tal direito, pois, nas palavras do julgador, “o pano de fundo aqui é a proteção à saúde, à maternidade, à infância e, em especial, à família, ente que nos termos do art. 226 da CF/88, constitui a base da sociedade, gozando de máxima proteção por parte do Estado, sendo que a ré, como ente da Administração Pública Indireta (artigo 37 da CRFB), insere-se no contexto traçado pelo ar. 226 da CF/88 e, portanto, também tem o dever de privilegiar a família”.
Para finalizar, o magistrado esclareceu que, como informou a CEF, a licença-maternidade é remunerada pelo INSS, sendo que a partir do 16º dia de afastamento, o Órgão Previdenciário é quem arca com o ônus da licença mediante repasse dos custos ao empregador. Entretanto, em virtude da extrema gravidade do caso em exame, o julgador entendeu que a CEF arcará com os custos, mas ressaltou que ela poderá pleitear na Justiça competente eventual direito de regresso por parte do INSS quanto às despesas com os vencimentos da reclamante, decorrentes do afastamento autorizado na sentença.
Tutela antecipada – Diante da urgência e do receio de ineficácia da sentença final, tendo em vista que, na época, faltavam poucos dias para o fim da licença da reclamante, o juiz concedeu a antecipação dos efeitos da tutela, determinando que a CEF cumpra com a obrigação de fazer que lhe foi imposta na sentença, antes mesmo do trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$500,00 por dia de atraso, limitada a R$10.000,00. A Caixa apresentou recurso ordinário, em trâmite no TRT-MG.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região